quarta-feira, 6 de maio de 2009

Mito

Ele abriu os olhos. Assustado, não reconheceu o lugar. Um segundo depois lembrou-se. É esquisita essa súbita amnésia. E também é orgástica e extasiante. Alguém o tocou. Uma segunda mão também o tocou. Não via ninguém a sua frente. Ou preferia não ver. Uma terceira vez foi tocado. Escutou alguns dizeres, mas não compreendeu. Na verdade, até compreendeu, mas ignorou completamente a mensagem. Queria voltar naquele mesmo instante. Mas não sabia o caminho. As pessoas todas estavam preocupadas com o rapaz. Ele só pensava em voltar de onde acabara de chegar. Tentou uma, duas, três, quatro vezes. Sem resultado. Fechou os olhos. Sentiu um tapa no rosto. Abriu os olhos. Alguém o tocou mais uma vez. Irritou-se. Pôs-se de joelhos, com as mãos para trás e a cabeça abaixada num ângulo muito estranho. Começou a se sacudir e debater. Estava finalmente conseguindo achar o caminho. Uma mulher deu um grito. Por causa disso ele quase se perdeu. Porém se concentrou no objetivo. Os olhos ficaram fixo, os membros rígidos e a língua enrolada. Deu um solavanco e caiu de peito no chão, imergindo o rosto no próprio sangue. Conseguiu finalmente voltar. Um senhor idoso, compadecido, acendeu uma vela, e colocou ao lado do cadáver.

Um comentário:

Eli Carlos Vieira disse...

Impressionante!
É quando é preciso que ele mesmo se perca, para poder encontrar-se.
Os seguidos toques de quem já não pode fazer nada e o reencontro consigo mesmo, no líquído que antes fora vital.

Parabéns pelo texto!
Abração!