quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Lições de um ignorante voluntário


Ser preterido por aquele que te ama é fazer planos qüinqüenais que espantam os seus amigos que acham cinco anos a própria eternidade, mas que o você sabe que voam, como voaram tantos, tantos, tantos. É saber que não há mais ninguém com prazer em lhe acarinhar a pele. É já não ter prazer em passar a mão na própria pele. É sentir, de repente, o isolamento. É ficar egoísta e amedrontado. É não ter vez e nem misericórdia. Ser preterido é fogo! Ou melhor, é muito frio.

REFERÊNCIA
FERNANDES, Millôr. Lições de um ignorante. Rio de Janeiro: Paz & Terra: 1977

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Máquina...



Gotas de suor salgado escorrem pelo braço e gotejam levemente uma roda dentada. Uma correia em plena fúria do movimento toca suavemente o pano do uniforme. Um pouco de graxa preta e gordurosa se esconde entre uma unha e um dedo. Um arranhão faz um detalhe diferente num capacete amarelo. Uma porca caída no chão se esconde embaixo de uma bancada. Um parafuso torto jogado de qualquer jeito no canto da mesa. Um guarda-chuva preto fechado encostado do lado de uma chapa de ferro. Uma janela de vidro toda engordurada e suja. Uma fita zebrada deplorável amarrada em um parapeito de ferro carcomido de ferrugem. É uma máquina! Máquina! Máquina! Máquina! Máquina! Máquina!

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"A Hora da Estrela"



Quando eu tinha 6 anos, assisti um filme da turma da Mônica chamado "A Estrelinha Mágica",  onde Mônica e seus amigos encontravam por acaso no chão uma estrela que havia caído do céu. Desde o momento que vi esse filme cismei que iria também encontrar uma estrela assim, meio que caída no chão. Então observava muito o céu para ver estrelas cadentes. Certa noite, estava à janela de casa ocupado no exercício de olhar para o espaço a procura de estrelas cadentes, notei que no horizonte havia muitas nuvens laranjas que denunciavam uma chuva noturna. Então olhava para o alto quando uma estrela cortou o céu em direção ao horizonte, ao mesmo tempo em que um relâmpago ascendeu por trás de uma nuvem. Pronto! Foi o suficiente para me convencer que a estrela tinha caído lá, e que muito provavelmente havia explodido. Quis ir lá no meio da noite procurar a estrela, mas como toda criança, fui impedido por um adulto. Quando eu já com 12 anos, fazendo o ensino fundamental, era alvo eterno dos meninos do fundão da minha turma. Não era só porque eu era CDF, mas porque também era NERD, pois usava aparelho extra-bucal, óculos fundo-de-garrafa e botas ortopédicas. Era por isso! Além de ouvir todo tido de gozação e apelido, tinha que também aguentar as porradas que os moleques me davam. O único momento em que todos se tornavam meus amigos, era justamente em dia de prova. E eu, para me sentir a estrela da classe, me prestava a passar cola para todos os meu inimigos. Passada a prova, tudo voltava ao normal, e eu voltava a ser o velho fracassado de sempre. Um dia, numa prova de história, eu tive que passar a resposta de uma questão que precisava dissertar bastante sobre o assunto, então o pedaço de papel que eu usei para escrever a resposta ficou um pouco grande. Quando eu estava acabando de escrever, notei que a professora estava do meu lado me observando. Eu, quase sem pensar, embolei o papel e engoli, assim teria destruída a prova de que eu estava colando e me livrei de ser levado à diretoria. Ano passado, eu estando com 24 anos, já estava quase me formando no curso de ator, e estava com um curriculum de peças até razoável. Um dia recebi o telefonema de uma jornalista que escrevia para um jornal local. Ela ligou dizendo que queria falar com um "jovem ator que se destacava no cenário artístico paraense", e falou um nome de forma muito rápida, achei que tinha entendido meu nome, e então desatei a falar sobre minha vida artística e já até estava brincando falando que eu estava quase para me tornar uma estrela. Depois de quase uma hora no telefone com ela, é que eu descubro que na verdade, ela queria era falar com meu irmão, que também faz teatro...

Estrelas, minhas estrelas...
Vou-te o brilho ofuscando
e a ti que não te mudas
no escuro vais ficando!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O pequeno pássaro confiante...



Dois ninhos de pássaros dividiam um mesmo galho, cada ninho com um único ovo. Em um deles nasceu um pássaro bonito e garboso, e no outro um pequenino pássaro frágil. Os dois cresceram juntos, até o momento em que se tornaram independentes. Voaram juntos do ninho no mesmo dia. Eram grandes amigos, aliás, grandes amigos não; eram grandes irmãos. Viviam numa espécie de protocooperação, o maior protegia o pequeno de predadores, e o menor retribuia conseguindo larvas de besouro tiradas com se pequeno bico de buraco das cascas das árvores, e da qual os dois se alimentavam. E assim foi durante muito tempo. Um dia o pássaro maior encontrou outro pássaro da mesma espécie que ele, e logo se tornaram amigos. Ele foi apresentar o novo amigo ao seu irmão. O novo pássaro achou estranho a amizade. Num determinado dia, quando o pequeno pássaro saiu para pegar as larvas para que eles pudessem almoçar, o novo pássaro falou para o outro que a espécie deles não tinham amizades com pássaros pequenos, e sim comiam pássaros pequenos, pois isso era o que faziam todos os falcões. Quando o pequeno pássaro chegou, trazendo com dificuldade no bico muitas larvas, o irmão dele sem pensar duas vezes rasgou sua carne com as garras afiadas, e o comeu junto com o outro falcão. Terminada a refeição, os dois voaram pelo horizonte, sem remorço e sem culpa alguma. Nem dois minutos de vôo se passaram, e o falcão que tinha comido seu irmão, caiu duro no chão. O que o matou não foi a culpa e nem o remorço, mas sim a traição, que ele não sabia que é capaz de dilacerar os corações de quem trai e de quem é traído. Porém, uma vez consumada a traição, nunca mais se pode voltar atrás. Nunca.

terça-feira, 23 de março de 2010

Quatro pássaros

Um pássaro.
Dois pássaros.
Três pássaros.
Quatro pássaros voaram até mim.

Ei você!
Não espante meus pássaros!

quinta-feira, 4 de março de 2010

(re) Começo


"Todo começo, é sempre o fim de algo que é bom, ou de algo ruim.
E o meu fim, pode ser o princípio do seu suplício
Pra eu poder retornar ao início."
Renato/Nervoso


O primeiro passo outra vez.
Depois de dez passos pra trás,
chegou a hora de finalmente
caminhar para a frente.